Não guardes para amanhã

* Amanhã dizem que abrem os tribunais. Mas será que fecharam?... [Patologia Social].

* Há livros com compramos por acaso e com relutância, e que lemos por causa da realidade e da sua repugnância. Logo este que abre com «a tragédia do homem esta na ignorância de si e do Universo que vive, ou antes, convive», torna-se, envelhecido, situado, num livro de sempre... [
A Geometria do Abismo].

Alvoroçado

* Imagine-se o alvoroço de imaginar em alguém mais vida do que a que sonhamos ter conhecido.... [Maria Ondina Braga]

De bem comigo

* O jornal «Público», na sua edição de ontem, teve e gentileza de publicar algumas respostas que me pediu a perguntas que me formulou sobre o mandato do actual PGR... [Patologia Social].

* Ao ver hoje aquela cidade-cenário, palco de uma itinerante comédia de rua, a contínua passerelle da beleza efémera e do exibicionismo do que é bem, sente-se que é de facto «impossível perdoar às leis da Natureza»... [A Janela do Ocaso].

* No Verão de 1936, Ralph Fox, um fundador do partido comunista britânico, que havia escrito uma biografia de Lénine e outros livros sobre o marxismo, veio a Portugal, a caminho de Espanha, onde se alistaria nas Brigadas Internacionais, contra as forças de Franco... [O Mundo das Sombras].

* A frase vem num livro, em geral sem grande interesse excepto por alguns momentos de ironia. É posta na boca de uma nervosa passageira francesa, em barco de emigrantes, de «compleição desbotada»... [O Ser Fictício].

* Um sentimento apátrida, invade-me o ser, como se um nómada, para quem tivesse morrido a família primeiro e lhe tivessem destruído a aldeia depois... [A Janela do Ocaso].

Inexoravelmente

* Soube agora que morreu Álvaro Veiga de Oliveira. Há sempre algo de trágico na naturalidade que é a morte. No caso foi ter lido que se soube hoje ter ele morrido quinta-feira, com tudo o que isso significa de nos apercebermos do que, afinal, inexoravelmente já passsou... [A Revolta das Palavras].

* Segundo li aqui «os fumadores de cachimbo que inalam vivem tanto como os não fumadores e os que não inalam vivem mais que os não fumadores»... [A Revolta das Palavras]

Domingo de jornal

* Houve um tempo, o do estoicismo, de se guardarem, como sendo da vida íntima, as doenças graves e os problemas familiares. Hoje, pelo contrário, sabe-se pela imprensa quem tem cancro na próstata ou doença séria na coluna...[A Revolta das Palavras]

* Uma das coisas que aprendi com os que sofrem na pele um processo criminal no qual se sentem injustiçados é que há um momento em que passou tanto tempo, tanta é a desorientação, tal foi o desespero, que já se contentam com qualquer coisa... [Patologia Social]

Regressado, enfim!

* É assim esta insatisfação itinerante do português. Sinto-me um deles. Não nasci aqui, mas é aqui que me sinto em casa... [A Revolta das Palavras]

Um horizonte perdido

* No caso um dos personagens do que leio tinha perdido há muito a crença na perfeição da espécie humana; pior, estava já amargamente convicto de que os indivíduos faziam sofrer os outros pela sua brutalidade, a sua malícia, a sua faltade compreensão. Por isso mesmo convivia melhor com as ideias abstractas da reforma social, a igualdade de oportunidades, em suma, a fraternidade humana... [A Janela do Ocaso]

Um momento da vida

* Imagine-se num local onde nada se entende do que dizemos e não entendemos o que nos querem dizer... [A Janela do Ocaso]

Os últimos dias

* O motorista que nos conduz benze-se ao passar em cada Igreja. Hoje, já só o próprio Deus o poderá surpreender... [A Janela do Ocaso].

A rua do desinteresse

* Estou longe de casa, numa cidade com pouco mais de duzentos anos, um museu ao ar livre, replicando em arte o que de melhor a Europa tinha e as colossais fortunas podiam comprar, caixa de bonecas, de corpos espectaculares que se pavoneiam ante a rua do desinteresse...[A Janela do Ocaso].
* Longe, muito longe, em terra estranha, posso pela Net saber o que se passa no Governo e no que deles dependem. Prefiro saber como andam os meus filhos. Digam-se ser a rebeldia da cidadania... [A Revolta das Palavras]

A mentira

* Nas suas lições de Direito Penal o Professor Marcelo Caetano lamentava-se de não as ter podido escrever melhor mas, vencendo como professor o ordenado equivalente a um primeiro oficial, tinha, para fazer face às despesas de sua família, de se dispersar em outras actividades [Patologia Social]

Partindo em viagem

* Acho que o Verão está a acabar, ou pelo menos as férias. O tempo começa a arrefecer e eu sinto-me cansado já delas... [A Janela do Ocaso].

* Concebido desnaturadamente «tal a primeira mulher do mundo, segundo Confúcio concebera da própria sombra»... [Maria Ondina Braga]

Complexos

* O complexo de inferioridade do português leva-o a ser deferente com os poderosos, que, no fundo, inveja. A sua ruralidade ancestral leva-o a defender a sua courela e os que de lá vieram, por raiva aos que de lá não são... [A Revolta das Palavras].

* Peço pois o favor a todos quantos lerem o que eu possa aqui chorar, de se rirem disso às gargalhadas... [A Janela do Ocaso].

* Como todo o que sonha a multiplicação do gozo, regressa ao real envenenado de desprezo pela humanidade e pelo Deus que a criou. Querendo gozar, sentiu-se gozado... [O Ser Fictício]

O dia de amanhã

* Amanhã, por exemplo, é feriado para que nada aconteça na vida de muita gente... [A Janela do Ocaso].
* Digo-o agora, por não poder conter mais a raiva: é a minha mãe. Felizmente o filho levou-a da outra vez e desta vez a um Hospital Privado. O filho tem dinheiro, o filho é conhecido, a mãe foi enfim bem-tratada e isto é um país de merda! [A Revolta das Palavras]

Reflexamente

* Vi esta noite, ao chegar a casa que começara a ler o livro, sem o ter terminado e, afinal, sem o ter compreendido. Voltei a ele, tal como ela, com «o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada»... [A Janela do Ocaso]

Tranquilo, enfim

* Afinal o escritor Günter Grass foi membro das SS nazis. Achou que agora é que era a altura de o confessar, depois de ter sacado, convenientemente calado, o prémio Nobel da Literatura... [A Revolta das Palavras].

* Eu cada vez mais levo a vida menos a sério, daí andar com ar de perú. Além disso escrevo curto, e pareço galinha a esvoaçar pelos problemas. O problema é não acreditar já na inocência de muito do que anda pelo Direito, o que pode dar-me ares de pavão... [Patologia Social].

* Li para aí que a polícia vai passar a ter equipamentos para vigiar as conversas no «chat». Primeiro, foi o abrir cartas, depois escutar telefones, logo a seguir telemóveis, os faxes, depois enfim os emails. Agora são os «chats»... [A Revolta das Palavras].

* Tenho-o aqui comigo, ao livro, aberto naquele página em que fala «nas metas exageradas para me entreter a tecer futuros, enquanto esperava que a morte viesse soluccionar o problema com o fechar-me os olhos de desistência forçada»... [O Ser Fictício].

* Os ingleses, os da nossa mais velha aliada, não perdem oportunidade, sobretudo no Verão de emporcalharem o turismo algarvio, para onde viajam aos magotes, muitos para sairem daqui que nem lagostins, empanturrados de cerveja... [A Revolta das Palavras].

* Eu sinto que o «Expresso» anda angustiado por causa do «Sol». Eu também, mas por causa do sol dardejante deste Verão. Mas este sábado o «Expresso» foi notícia aqui na praia... [A Revolta das Palavras]

O livro da vida

* Li pois e reli e descobri assim a infelicidade das páginas em branco e de um tempo decorrido em que nada conseguimos ler. Por isso a felicidade menor desta escrita... [A Janela do Ocaso]

«Cólera de luto no coração»

* Voltei há pouco à casa onde estou, com a cabeça cheia de pensamentos sobre tudo isto. E eu que escrevo curto, por ser feito daquela «carne tímida» de quem acha que tem pouco a dizer, encontro-me hoje, nesta tarde andarilhante, com a cabeça toldada de ideias, que se atropelam... [A Janela do Ocaso].
* «Já começa a escassear terra para os que vagueiam por essas ruas, disfarçados de vivos», escreveu o José Gomes Ferreira. Copiei a frase num papelinho. Com a minha má caligrafia foi por milagre que consegui recuperar a palavra «vagueiam» para a trazer para aqui... [O ser fictício]

Quarta-feira de cinzas

Hoje, dia nove de Agosto, uma quarta-feira de sol e de calor, com tanta gente de férias a não escrever por não poder... [A Janela do Ocaso]

Com o sol a subir

* Há quem viva do dever e da necessidade de ter todos os dias muitas ideias, imensas opiniões, variadas novidades... [O Ser Fictício].

* «Hoje todo o cuidado com os homens é pouco. E mesmo com as mulheres, que já andam ao mesmo», dizia ela... [A Janela do Ocaso].

* Com o vazio de poder que se instalou na PGR, cada um, cada grupo, faz o que quer e o que pode. No mais é só perguntar-se uma pessoa com que objectivos, se por vaidade, ambição ou ideologia. É assim quando ninguém manda... [Patologia Social].

Homens agachados

* «Um filósofo chinês disse que o sentimento da comiseração é o começo do amor», escreveu. Haverá quem leia isto e se revolte, pragmática e racional, como isto tivesse sido escrito por «homens que haviam nascido agachados e a quem só alguma, rara mulher, restituiria a altura. Mulher que os aceitasse sem paixão por piedade»... [Maria Ondina Braga]
* Nada como o Verão para a libido noticiosa se soltar. Pelo que se lê na imprensa, os portugueses não passaram a copular menos depressa, o país é que passou a ser penetrado mais facilmente... [A Revolta das Palavras].

Um vento de verão, madrugando domingo

* Trouxe-o de Lisboa, porque tinha começado a lê-lo e ando a ver se consigo continuar a leitura. É daqueles livros que se pode ir seguindo, como num passeio, sentando-nos de quando em vez, a descansar... [O Ser Fictício]

* O magistério de Leonardo Coimbra e o que tem de controverso projectou-se por vezes pelas mais inesperadas formas e nas mais invulgares circunstâncias... [Geometria do Abismo]

* Ao que leio, do Direito Europeu resulta que uma empresa que recuse a contratar um trabalhador fumador não viola as normas comunitárias... [A Revolta das Palavras]

Sábado de contrição

* Eu sei que é uma vergonha: mas detestava o Jorge Luís Borges só porque um desses arrogantes peralvilhos da nossa cultura, impante de opinião pomposa, o idolatrava. Só que nunca o tinha lido [A Janela do Ocaso].

* O Fisco decidiu afixar a lista dos devedores, o Tribunal de Contas afixará a dos credores. Penso que o objectivo é envergonhar quem deve [
A Revolta das Palavras].

Vivendo da escrita

Escrever é uma necessidade, uma urgência íntima, um modo de dizer. Às vezes, escrever é uma forma de ter companhia, outras vezes de a perder. Desde que descobri a blogoesfera fui deixando aqui, como se cadernos dispersos de apontamentos fossem, vários blogs. Alguns rasguei, de outros conservaram-me amigavelmente as folhas rasgadas. Escrevi, plural no tema, múltiplo no sujeito, uno na ilusão, a de que teria algo a dizer. Só que escrever é uma forma de se viver, a capacidade de passar do visto ao pensado, e de uma pessoa se exprimir legivelmente, mesmo contra aquilo que sente. Há umas semanas, como notaram alguns leitores, decidi suspender isto tudo, ao ter descoberto que sobrevivia pela escrita, em vez de viver. Confesso a fraqueza de não ter sido capaz me manter morto. Regresso, pois, cabisbaixo como um doente condenado à sua cura. Venho embrulhado num novo formato, como se num diário. Em cada dia, uma linha, uma frase remeterá para os blogs que já existem, para qualquer outro que possa vir a existir. As vantagens são só duas. O leitor, a haver leitor, percebe logo se houve escrita. O autor, e na verdade volta a haver autor, explica logo onde escreveu. Claro que, folha a folha um homem, na ânsia de viver, vai-se matando a escrever. No final, é mais ou menos como nos cemitérios: o coveiro, ao estender os olhos pelo campo raso, vê crescer o número dos que foi plantando. Raro é o dia em que não chega mais um.