Era noite e eu dormia

Chegou esta noite a fotografia, enquanto eu, cansado, dormia. É parte do meu curso jurídico, num dos almoços de comemoração, já mais velhos, ainda com vontade de comemorar os gloriosos anos 1966-1971, o Maio de 1968 a incendiar-nos a alma.

Subindo na ordem das imagens, ali está à esquerda, como sempre, o Carlos Fino, igual ao que é, do Ribatejo a Moscovo, pois não envelheceu, o António Mega Ferreira, então ainda com o bigode à Guterres e que morava na Rua dos Lírios, o João Soares, que se sentava, no Anfiteatro 1, na fila à frente da minha, nós todos por ordem alfabética, a Leonor Beleza, uma das mais bonitas das poucas meninas que então escolhiam Direito como futuro, o padre João Seabra, da paróquia de Santos, o padre Melícias, o franciscano atípico, o Marcelo Rebelo de Sousa, de barba jacobina e já com o dedo a apontar para si próprio, o Braga de Macedo, antes de descobrir o «oásis» e de ter andado por Medicina, o Rão Kyao, sim, que ouve por lá de quem trocasse o Direito Romano por uma flauta, o Cáceres Monteiro, que já se adiantou a todos nós ao ir-se embora, o Cardeal Nascimento, de Angola, que tantos padres ali nasceram!, o Vítor Dias, do PCP, porque também ali houve os «amanhãs que cantam» e, enfim, o Luis Pinheiro de Almeida, da LUSA, doBlitz, da geração «yé, yé». Foi ele que, amigo, nos descobriu a todos.

Chegou esta noite e com ela a lembrança de tanta coisa de que já não me lembrava, tantos de nós de quem a memória se esqueceu, a idade cruel a cometer a crueldade do esquecimento, como o António Pina Abecasis, que se imolou pelo fogo como protesto contra a invasão da Checoslováquia pelas tropas soviéticas.

P. S. Por cima da foto do João Soares, ao lado do Mendonça da Cruz, de óculos redondos, estou eu. A lista está
aqui, a precisar de ser revista e aumentada. Obrigado Luís, pá!