A ânsia de colo

Tento por vezes lembrar-me da mais remota memória que ainda conservo. Mas já não me entendo comigo quanto a ser uma verdadeira lembrança ou um resíduo do que os outros contaram que sucedeu. 
Não me recordo, por exemplo, de ter andado ao colo. Uma falha destas explica muita coisa na vida de um homem, sobretudo os trágicos insucessos na busca de carinho. 
No entanto, essa verdade esquecida existiu como realidade que só uma fotografia hoje conserva. Esta. 
Dizem-me que por essa altura um surto de paralisia infantil, entre matar e estropiar uma série de crianças, lançou o pânico nas famílias do local onde nasci. Escapei talvez porque tivesse um mundo inteiro para calcorrear. E sobretudo para que a vida se encarregasse de me pôr à prova quanto a ser impossível inverter o que aqui ficou como circunstância: seres tu filho, a encontrares na inocência do teu ser, um regaço que dê, enfim, colo a tua mãe, recebendo-a agora tu, regressada ela à primeira infância, com todos os incómodos, os da impossibilidade de falar, às necessidades incontroladas.
É isto o que dói nos álbuns de amarelecidas fotografias quando, acusadoras no seu mutismo nos perguntam: darás tu o que te deram tal qual o recebeste, fecharás com honra e sem remorso o ciclo da vida de quem te deu vida, sem relutância, sem olhar a horas, a conveniências, a comodidades, a repugnâncias? 
Darás tu colo a quem te deu colo?