Onde nos leva a memória?

Onde nos leva a memória? A fotografia e o registo do que julgamos lembrar, a ilusão de se ter perpetuado. A diferença é que me lembro dos nomes, a Bernardita Cochat, que viria a ter uma morte horrorosa, o Vasconcelos, o mesmo que, electricista, "passava filmes" no cinema do Senhor Prat, e o meu pai, a esquerda, um dos fundadores do Rádio Clube de Malanje. Há só um nome que me escapa. Miúdo, fazia dali recreio. Sonhador, capaz de pensar criando, o meu pai deu voz àquele emissor, o CRE6RE. Tudo aquilo era primitivo, feito de penúria de meios, de amadorismo, de sonho. Corria o ano de 1953. Eu tinha quatro anos, o meu pai cinquenta e cinco. Onde nos leva a memória quando tudo foi?

O Castro & Irmão

Uma página dedicada a Malanje traz-me este momento. Era a loja de modas por excelência. Chegou-me à memória em dois registos, o doce e o amargo, ingredientes com que a vida é temperada. Doce, porque miúdo, meu pai me levava até lá, ficando à porta à conversa, local de encontros ocasionais, e eu, por ali vadiante, à espera de ser hora de regressar ao lar, sobretudo quando o ambiente lá por casa estava de "trovoada" emocional e a ida «para um giro» era uma forma de deixar o tempo arrumar a desordem dos sentimentos. Mas houve também, em 1966, o registo amargo, terem chegado dali contas para pagar de compras que por si eram a demonstração do infortúnio e da noção do que, afinal, tudo nos tinha acabado. Foram pagas, com lágrimas, mas honradas. Depois terá dado nisto.
Talvez neste exacto momento a miséria da depredação tenha dado azo à estonteante riqueza. Sobre os escombros das memórias a Natureza faz nascer flores, sobre o que o homem destruíu, interesses.