A reintegração



Regressei não das minhas origens, mas das origens dos meus. Foi ontem, em Viseu, onde vivi quatro anos que me marcaram de tal modo que é como se fosse o lugar onde nasci. Estive ali porque quis ir ao encontro do espaço onde a alma se me formou tal como é, onde aquela mistura de inquietação e isolamento se desenhou e o esboço da irrequietude que a idade adulta formaria, esgotando-me em insatisfação permanente.
Não esperava que o carinho da memória viesse até mim, na forma de uma colectânea amorosamente compilada por Paulo Machado Ferreira, do Colégio da Via Sacra.
Fundado pelo Cónego Barreiros a expensas próprias, nele estudou o meu pai. Já o disse aqui.
O que aqueles papéis me trouxeram, recortes do jornal do então Seminário-Colégio, como se a reintegrarem-me com o que se extraviara pelo mundo ao amputado ser que sou, defectivo no sentir e encurtado de pragmatismo, foi esse meu pai, nascido em 1898, e que usando o nome em ordem inversa à usual, o apelido materno no fim, muitos não associavam por isso à minha pessoa, foram as suas primícias literárias.
Eis o que ontem me foi entregue, em acto comovido: José Barreiros Pina do Amaral, aluno do segundo ano, com dez anos de idade escrevia no número inaugural dos "Ecos da Via Sacra" esta ingenuidade narrativa. E assim o fez até 1911, pelo menos.
Soube, por lenda que se foi esfumando, que ao conhecê-lo, ele com 50 anos, ela com 25, e ao fazerem do amor casamento e dele a minha pessoa, a razão do enamoramento foram os versos encantatórios que escrevia, emigrado então na longínqua Angola, que tornou a sua terra, vindo de São Tomé e de Cabinda.
Ali era, porém, apenas uma criança e um jornal.
Há sempre um primeiro homem em cada homem. A vida deu-me ontem pela noite essa oportunidade. Voltei aqui, reconciliado comigo.