O tempo do esquecimento


Com a passagem do tempo e porque morreu tinha eu vinte anos, comecei a confundir o dia em que nasceu, 17, com o dia em nasceu minha Mãe, 7, ele em Janeiro ela em Outubro.
Durante toda uma vida dei como assente que tinha nascido em 1898 quando afinal nasceu em 1897.
Até hoje, julgando ser dia de aniversário, que os mortos comemoram-nos, mesmo que em silêncio, na nossa memória, afirmei que tinha nascido em Fundo de Vila quando, de facto, nasceu em Esmolfe.
Em Setembro de 1966 tirou este, que seria o seu último bilhete de identidade. Estava pobre, fisicamente arruinado, insolvente. Terminara com a profissão de solicitador o que não tem qualquer importância. 
Nessa precisa ocasião, com 17 anos, regressei à Metrópole, no "Niassa", com um bilhete de favor, na terceira classe (suplementar) por cima dos porões. Tínhamos ido a Malanje encontrá-lo, exausto, numa cama de hospital. Um telegrama chamara-nos «seu marido muito mal».
Matriculei-me então na Faculdade de Direito. Os colegas que fui encontrando não sonhavam a penúria, porque tornei o orgulho em fingimento. A todos os que conhecíamos de Angola voltámos as costas, envergonhados. Iniciou-se um novo ciclo nas nossas vidas.
Hoje pensei que era dia de o lembrar. Afinal chegou o tempo em que, por remorsos que tenha,  já me comecei a esquecer.
Chama-se José Barreiros Pina do Amaral. É meu Pai.