A Poesia e o sorriso: a todos um Bom Natal!


Neste espaço, que se tornou biográfico, nunca trouxe a presença de outros, salvo e de modo ténue, aqueles de onde provim e aqueles a quem dei o ser. Não que a vida seja feita de uma individualidade sem companhia, mas por terem os outros direito ao véu da discrição, recato da privacidade, respeito, afinal, ao não se desnudar a sua existência. 
Quando se aproximam estes finais de ano, à medida que se somam finais de ano, tanto menos sendo os finais de ano para viver, há em muitos a tentação do rememorar, remoendo mais as recordações penosas, menos intensas as expectativas risonhas. Tento que seja tudo ao contrário. 
A vida transacta permitiu que a vivesse pelas muitas formas em que pode ser sentida. Tenho ao lado do currículo de sucessos, que são o que, tornando a História ficção, se apresenta, por vezes como biografia, aquela galeria de falhanços e de insuficiências, lado penoso da personalidade, os comportamentos indevidos, defeitos mesmo de personalidade, o que fiz de mim. Não me eximo a admiti-lo, nem me comprazeria em contá-lo: não quero ter a vaidade de exibir à comiseração pública, nem as nódoas negras dos atropelos, nem as chagas sentimentais das desilusões, incluindo o mal que fiz e as dores que causei. E assim foi.
Vem isto a propósito de ser Natal, estar em paz e ter de um lar o sentimento e da família a essência da noção; e estar activo, capaz de reconstruir os muros do sonho que se desmoronaram e a edificar a fábrica de ideias de que tenho feito teimosamente projectos.
Estou grato, a todos quantos me permitiram ter sido o que afinal sou, e não máscara de aparências; grato também porque, vivificado, me é possível continuar, reinventando-me.
Sendo a felicidade horizonte, caminho, matinal, para ele, triste apenas por a tantos tal não ser também possível, pelo horror do mundo de miséria que sempre existiu, e por haver os que, nesse percurso escarpado, optam pela planície chã da superficialidade e se bastam pelo contentamento, ilusão barata da plenitude.
Sessenta e sete anos depois, idos os pais, sou quem está na fila de espera do corredor pelo qual se garante a reciclagem da vida. Sem tragédia, porém. Oxalá para alguma poeira longínqua deste espaço sideral a partícula ínfima que sou faça sentido, mesmo sendo a criação uma miraculosa probabilidade de acaso algures no tempo, o futuro o improvável passado dos que de nós virão.
Um dia fui, embaraçado e melancólico, apresentar um livro de um desconhecido, livro que não me tinha chegado sequer a tempo, livro de breves versos, apresentação inesperada. Sem o imaginar, nasceria porém, no incerto e contingente instante, a Poesia e o sorriso. Eis o que quero trazer para o dia em que se trocam acenos e lembranças. A todos, um Bom Natal.

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Na fotografia um pai e o seu menino, com dois meses e nove dias. No verso da envelhecida fotografia, minha Mãe, que nos fotografou, a velha Kodak de fole, escreveu, naquela caligrafia gótica que nela era esmero, a data para memória.